segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Mulher Negra: símbolo de luta e resistênci




Há estudos científicos que comprovam que o homem originou-se em África, sendo portanto, uma africana, mulher negra, a mulher original.
Em que pese outras teses religiosas que permeiam o imaginário popular, há fortes indícios de que a primeira mulher foi uma negra. 
Contudo, essa primazia não tem vez em nossa sociedade moderna, já que a mulher negra está bem longe de ocupar o seu merecido lugar de destaque.
Muito pelo contrário, em nosso país há estatísticas oficiais que referem à mulher negra dentre os segmentos da estratificação social, como aquele que ocupa a base da pirâmide.
Os piores empregos, o pior nível de escolaridade, a maior taxa de mortalidade materna, os menores salários, dentre outras mazelas sociais, são atribuídas às mulheres de etnia negra (assim definidas as pretas e as pardas).
O preconceito exercitado no mercado de trabalho, o racismo institucionalizado, a reduzida autoestima, a pobreza perene, herdada há séculos de um sistema escravagista, além de estereótipos de subalternidade que habitam de forma insistente o inconsciente coletivo, são alguns dos fatores históricos e socioeconômicos que contribuem para a sua marginalização social.
Mas há ainda um dado alarmente: estudos sociológicos e antropológicos constataram que esse segmento é o que possui o maior nível de “abandono afetivo”.
Quando o assunto é relacionamento, é muito difícil para as mulheres negras manterem um companheiro ou parceiro, que assuma com elas um compromisso afetivo e familiar.
Contribui de forma direta para esse panorama, o estereótipo da excessiva sexualização, criado com base no que alguns historiadores denominaram de “estupro colonial”, em que senhores de escravos de origem europeia se utilizavam de favores sexuais impostos às suas negras escravizadas.
Figuras exaltadas por renomados escritores nacionais sempre colocaram a personagem da “mulata brasileira” no ideário popular como fonte de desejos masculinos que podem ser satisfeitos sem qualquer exigência de compromisso afetivo.
O resultado dessa lógica perversa, em que a negra é desejada única e tão somente como objeto, é a solidão de muitas mulheres, projeção que aumenta muito, na medida em que cresce o nível de sua escolaridade e o fator idade.
Atualmente a mídia e a dramaturgia mantém e reforçam essa tendência, exibindo pretas e pardas em papéis que se alternam entre a empregada que cede seus ombros para serem literalmente pisados pela patroa, e a suburbana que sofre estupro de seu patrão na adolescência, e depois se transforma numa artista que usa o corpo e a sexualidade como atração.
Grande número de famílias brasileiras tem como chefe, uma mulher negra que trabalha fora (muitas delas como domésticas ou diaristas), cuida dos filhos e mantém o lar sozinha, sem a participação de um companheiro. 
Recentemente, inclusive, tivemos a ampliação dos direitos trabalhistas das domésticas, que agora passam a fazer jus a benefícios iguais aos dos trabalhadores dos demais setores profissionais.
A categoria das domésticas, ainda reúne grande número de trabalhadoras pretas e pardas, favorecendo a equivocada ideia de subalternidade baseada na etnia. 
A figura saudosa da “preta ama de leite”, que se dedicava resignadamente a amamentar e criar os filhos de suas patroas de origem europeia, também remanesce de forma muito vívida no imaginário popular.
Em plena segunda década do século XXI, a mulher, num contexto geral, ainda é naturalmente vista como cidadã de segunda classe, já que inserida num sistema sociopolítico e econômico que tem o padrão masculino como o centro do modelo de inteligência, competência, força e dinamismo.
Desde o patriarcado, somos identificadas como uma existência frágil e dependente a ser tutelada, como detentoras de um dever de obediência e submissão ou ainda como propriedade de pais, irmãos, companheiros e maridos.
Entretanto, quando damos recorte étnico a toda essa violência de gênero, aí incluída a violência doméstica, nos deparamos com uma situação muito mais grave: a da invisibilidade e marginalização social da mulher de etnia negra.
Nas mesas de poder e decisão é algo raro encontrarmos mulheres negras, circunstância que causa estranheza, já que segundo o censo de 2010 realizado pelo IBGE, os negros são mais de 50% (cinquenta por cento) da população brasileira autodeclarada. 
Tal incongruência é reflexo de suas apontadas, invisibilidade política e social e marginalização econômica.
As pouquíssimas representantes deste segmento que conseguiram ultrapassar o bloqueio racial e de gênero, e alcançaram expressão nacional, o fizeram por meio da militância na área dos direitos humanos, como é o caso da ex Deputada Benedita da Silva, da ex Ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro, da atual Ministra da Igualdade Racial Luíza Bairros, da Deputada Estadual Lecy Brandão, e da pioneira da política paulista, a ex-deputada Theodosina Ribeiro.
Mesmo diante dessa imensa gama de obstáculos, preconceitos, abandono e marginalização, que reduz a autoestima, a autoimagem e autovalorização desse segmento, nós mulheres negras ainda reunimos forças para exercer a maternidade responsável, o profissionalismo, a busca por direitos de igualdade, inclusão e valorização, enfim, somos de fato símbolo de muita luta e resistência.


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