domingo, 17 de novembro de 2013

HISTÓRIA DA FAMÍLIA QUILOMBOLA DA ILHA DE SÃO VICENTE



A história da criação do Município de Araguatins esta interligada diretamente com a história de ocupação do quilombo da Ilha de São Vicente. Quando por volta de 1.868, Vicente Bernardino Gomes, maranhense de Carolina e que residia na Colônia Militar de São João do Araguaia Estado do Pará, decidiu conduzir sua família escoltada por seis homens de sua confiança navegando na Araguaia a cima em busca de um local para fundar uma nova povoação. Após três exaustivos dias de navegação aportaram do lado das terras Paraense onde parecia-lhe apropriado para a criação do lugarejo, a este local segundo Leônidas Gonçalves Duarte ele deu o nome de Magnifica devido a sua vista deslumbrante, que tinha quando avistava o Araguaia e as terras onde você tinha o encontro de biomas Cerrado e floresta amazônica. Após alguns dias acampados nas terras do Pará decidiram cruzar as margens do Rio e visitarem o lado do Goiás decisão que definiu que seria naquele local que iriam fixar moradia.
Segundo Duarte (1968), Vicente Bernardino após a definição da moradia, abriu uma estrada no sertão e descobriu a já habitada Boa vista do Padre João personagem importante na região do Bico do Papagaio. Resolve mandar um positivo ao 2º Distrito de Carolina para receber a importância de oitocentos mil réis (Cr$ 0,80), o positivo entrega a carta ao devedor que informa não ter o recurso em dinheiro, mas que possuía 08 escravos com os quais poderia salvar a conta ao credor. O Procurador ficou num impasse, pois não tinha autorização para tal transação, ao que o devedor informar que de outra forma teria que marcar uma nova data para a quitação, este tinha também ordens expressas para receber a conta pensou melhor e decidiu levar os escravos. ‘’ – Vou fazer um preço camarada ‘’- Fica a cem mil réis, alto malo. Assim definido os valores da negociação foram chamados 02 casais de escravos com seus filhos totalizando oito escravos, sendo quatro da Família Barros e quatro da família Noronha, divida resgata o positivo retornou com os escravos. Chegando a São Vicente o portador procurou o patrão e para informar da negociação. ‘’ – Seu Capitão o devedor não possuía a importância em dinheiro e eu recebi a conta em escravos. – Fez muito bem, eu tinha esta conta como perdida.’’ - Onde estão os escravos? – Estão lá fora, mande entrar os escravos.
Dentre os escravos existia uma garoto de Nome Henrique Barros ‘’ meu bisavô’’ , Vicente Bernardino possuía um filho que também chamava-se Henrique com mais ou menos a mesma idade e isso gera uma certa confusão, pois quando chama o filho vêm correndo o criado e quando chama o criado responde o prontamente o filho, assim o capitão passa a chamar o escravo de Henrique cacête em referencia a força física e agilidade que o garoto apresenta.
Os anos vão passando e em 1888 foi instituída a Lei Aurea, Henrique Barros possuía uma certa aproximação com capitão em virtude de ter passado a infância junto com o filho do seu senhor que tinha a mesma idade e o mesmo nome e como não existiam outras crianças no lugarejo terminaram por brincar, passarinhar, pescar e navegar pelo Araguaia e pelas matas do Sul do Pará explorando a região. Assim após a libertação Vicente Bernardino leva o garoto até as margens do Rio Araguaia e aponta o Magnifico e fala ‘’ - Henrique têm uma nova lei no Brasil e que acabou com a escravidão dos negro, mais eu não gostaria que você vagasse perdido pelo mundo com seus descendentes e por isso quero que fique com as terras desta Ilha, pode plantar, colher, viver com sua gente, traga o que achar justo de sua colheita para minha família e assim é estabelecido e iniciada a ocupação da Ilha de São Vicente. Henrique Barros, seu pai, sua mãe e seu irmão mudam-se para fixarem moradia na Ilha, neste período temos a natureza exuberante, com grandes enchentes, muitas árvores e animais de diversas espécies, frutas em abundancia e terras férteis que de tudo dava. No período das enchentes a família refugia-se nas terras do Sul do Pará onde são fazem as roças de mandioca, arroz, milho, inhame, batata, feijão. Nesta mesma época a família Noronha estabelece moradia após abolição nas terras do sul do Pará, a amizade entre as famílias permanece. A família Barros passa a ter duas moradias uma na Ilha onde é a moradia permanente dos períodos de seca, com sítios formados, estradas dentro da ilha, pesca na lagoa, criação de porcos que até hoje existe como porcos selvagens mais que na realidade foram porcos domésticos que ficaram bravo e ainda são encontrados em toda a Ilha, da vegetação podemos encontrar uma ramagem chamada poeiragem que servia para a pastagem do gado que criavam no Quilombo.
Em um dos grandes invernos meu bisavô conhece a Inês garota indígena da tribo dos Araras com quem casa-se e dar continuidade a família Barros.
Deste casamento nasceu o meu avô José Henrique Barros, meu tio bisavô Pedro Henrique, minhas tias avós Brasilina, Domingas e Raimunda.
Meu avô José Henrique teve sete filhos: minha mãe Vicência Barros, meus tios Salvador Barros, Juarez Barros, Eugênio Barros, Pedro Barros, Maria Barros e Domingas Barros.
A tia avó Domingas teve descendentes: Jorge, Maria Helena, Regina e Virgílio.
As famílias Barros e Noronha têm acordo de casamento entre seus filhos e nascem os Noronha Barros.
Nos anos séculos seguintes muitas pessoas foram passando a frequentarem a ilha para participarem do festejo de São José e de Nossa senhora do Rosário, o extrativismo do babaçu, as farinhas e a caça e pesca farta atraem mais e mais pessoas, assim chegamos ao ponto da ilha começar a ser ocupada de forma irregular por fazendeiros e desmataram sem controle, passaram a criar gado e o capim tomou conta do lugar da vegetação nativa.
Os remanescentes foram sendo gradativamente afastados da ilha por necessidade de colocarem os filhos nas escolas, para buscarem uma vida melhor e por não compreenderem a importância da terra.
O meu tio Salvador Barros permaneceu no território e mais tarde meu tio Pedro Barros também volta para a Ilha e passa a desenvolver atividades de criação de galinha caipira e plantio de mandioca, milho e outras atividades de agricultura de subsistência.
Em 2010 um dos fazendeiros abriu um processo alegando invasão de propriedade e conseguiu o despejo da família Barros, o sofrimento foi grande, período de março muita chuva rio cheio, meu tio e meus primos tiveram muitas perdas pessoas, financeiras e psicológicas. No dia seguinte o fazendeiro mandou incendiar as casas, levou os animais que interessou, cortou as plantações e todos diziam que tínhamos perdido a ilha para sempre, pois ele era rico e nossa família era pobre.
Quando os fatos chegaram ao conhecimento público a comunidade colocou-se do nosso lado e o senhor Pedro Duarte neto do Vicente Bernardino, juntamente com a senhora Benvinda Monteiro(in memoria) passaram orientar a nossa família para lutarmos por nossos direitos, uma pesquisadora da UFT procurou a família conversou com os mais velhos da comunidade e com as narrativas reconheceu que a nossa origem quilombola mais apenas nossos relatos não seria suficiente para a intervenção jurídica, dona Benvinda encontrou em seus guardados um livro que contava a história da criação do município de Araguatins em que em um dos capítulos relatava a história da família Barros, Livro este que foi colocado nos altos processo e serviu como prova documental para a reintegração de posse e para o processo de reconhecimento como Comunidade Quilombola junto a Fundação Cultural Palmares que aconteceu no mesmo ano e foi organizada com o apoio da APA- TO pelo coordenador Paulo Pestana e tivemos como articular Jorlando Ferreira filho de Jorge e neto de Domingas Barros, a associação de remanescentes foi criada no final de 2010 a família unificou-se em torno do resgate cultural, histórico e na luta pelo território.
Atualmente o processo da pesquisa antropológica foi iniciada em maio de 2013, tudo muito lento e moroso como é o governo do Brasil principalmente tratando-se de questões pertinentes a reforma agraria.
Temos uma liderança jovem que assumiu a diretoria da Associação em Junho de 2013. Mesmo com todos os desafios para envolver os jovens no movimento quilombola, para convence-los a se reconhecerem como remanescentes estamos buscando unir os jovens a ancestralidade que também têm suas limitações para o resgate histórico, durante anos ficaram em silencio sobre sua história e agora é difícil para poderem reconstruírem o mosaico dos fato que foram adormecidos em seus corações pelo preconceito e pelo medo das ameaças dos invasores que insistem em negarem a nossa importância na história do Tocantins e do Brasil.
Sou Fátima Barros filha de Vicência Barros, neta de José Henrique Barros e Bisneta de Henrique Barros, sou quilombola e me reconheço como descente, sou ativista e militante, sou pedagoga formada pela UFG, professora, mulher e quilombola faço parte da base da pirâmide deste país, poucas são as oportunidades, mais sempre vivi do meu trabalho e vejo a educação como a única forma para a evolução de nossas comunidades.
Meu trabalho voltou-se para os temas sociais em 2007 quando trabalhava na DRE Araguatins (Diretoria Regional de Ensino de Araguatins) como Coordenadora Regional de Educação na Diversidade tive a oportunidade de trabalhar em programas de Educação do campo, educação Indígena, educação prisional, educação quilombola, Pro jovem Campo Saberes da Terra, programas de correção de fluxo e distorção idade série, EJA e ENCEJA, função ocupada até fevereiro de 2010 quando por mudança de gestão tive que deixar minha cidade e meu município para continuar a batalha. Mudei para Brasília em março de 2010 quando minha família foi despeja da Ilha tive que tornar-me uma quilombola longe de casa, recebi apoio dos amigos militantes da Frente Nacional Quilombola onde milito por acreditar na luta e na resistência do povo quilombola e na conquista dos territórios.
Reconhecendo o meu papel social passei a estudar, pesquisar e a conhecer um pouco sobre quilombos e sobre as necessidades do nosso povo, assim nasceu o projeto Fundação Barros que passou a ser a ORGANIZAÇÃO BARROS na qual estamos desenvolvendo a elaboração de projetos para serem implantados nas comunidades quilombolas.
O principal foco é o de resistência e pela titulação do quilombo, para que nossas terras sejam certificadas, para que tenhamos direito a educação, moradias dignas, saúde e trabalho.

Sou articuladora externa da comunidade e presidente da Organização Barros, busco visibilidade para a causa Quilombola e trabalho com algumas demanda da nossa família, temos muito para ser feito, nosso caminho é de Pedra mais já podemos sonhar. ‘’ 

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